"Reduzo-me a pormenores que fixo na retina ou aguento nas entranhas, incapaz de abarcar o desígnio maior disto tudo. Vogam por aqui insensatas esperanças e fazem-se contas de cabeça, embora eu cale o que queria de facto dizer-te, de alguma forma ainda presa a ti: a tanto me leva o paradoxo da saudade. É o teu sabor na minha boca, mesmo quando não estás, e é o teu andar desengonçado a arrastar a minha sombra, até quando vou sozinha. Começo a não saber onde residem os intervalos, se nos momentos em que estou contigo, se quando o resto da minha existência segue para bingo. Mas se hoje é assim, amanhã fico indiferente, a achar a urgência que me consome um disparate sem cabimento nesta minha vida cronometrada por terceiros. Dizem que é isto a bipolaridade do amor: num dia, a razão desvaloriza-o em nome da sobrevivência da espécie, no outro, induz práticas irreflectidas que roçam o indecoro e o mau gosto, como linguados que excedem o prazo permitido e cópulas quase públicas. Queria entrelaçar as minhas pernas nas tuas em remates intrincados, num exagero de nós de escota e de lais de guia, e a seguir fechar os olhos. No fundo, queria apenas o que milhões de outros homens e mulheres sempre quiseram uns dos outros: acordarem de manhã lado a lado, brevemente completos, embalados por impressões difusas de felicidade."

(Autoria: Sofia Vieira)

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